19 Abril 2025

Como ‘E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?’ Foi Inspirado – e Depois Ofuscado – Pela Sua Própria Trilha Sonora

Para sua comédia irreverente – que retorna aos cinemas nesta semana – os irmãos Coen buscaram a criatividade do lendário produtor T-Bone Burnett. A trilha sonora do filme não apenas impulsionou um renascimento do folk nos anos 2000, mas também ajudou a projetar as carreiras de vários de seus colaboradores. Talvez esse seja o maior legado da obra.

No outono de 1959, o etnomusicólogo Alan Lomax parou à beira da estrada no Mississippi para observar um grupo de prisioneiros trabalhando na derrubada de árvores. Um dos detentos, James Carter, liderava os companheiros em um canto de trabalho marcado pelo ritmo do blues, sincronizado com os golpes dos machados. Lomax gravou a música antes de seguir viagem. O canto, então, se libertou das correntes e atravessou o tempo, enquanto os prisioneiros permaneceram onde estavam.

Décadas depois, essa gravação ressurgiu no filme E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, dos irmãos Joel e Ethan Coen. A comédia acompanha um trio de fugitivos atrapalhados em pleno sul dos Estados Unidos, durante a Grande Depressão. “Po Lazarus”, a música de Carter, abre o longa enquanto Ulysses Everett McGill (interpretado por George Clooney) escapa pela ferrovia. Ele convence seus parceiros de fuga (John Turturro e Tim Blake Nelson) a procurarem um tesouro enterrado – mas, sendo um charlatão nato, é provável que sua fortuna seja apenas uma ilusão.

O filme flutua entre décadas. Lá pelo Mississippi rural, o tempo parece se misturar, e o mesmo ocorre na narrativa. Apesar de ambientada em 1937, a história conta com canções de diferentes épocas, indo desde “The Big Rock Candy Mountain”, de 1928, até versões modernas do final dos anos 1990. Conforme Everett e seus companheiros atravessam o Delta, se envolvendo com xerifes, membros da Ku Klux Klan e políticos corruptos, a trilha sonora acompanha cada passo, funcionando como a alma do filme. E, de fato, a música se revelou o verdadeiro tesouro enterrado da produção.

A inspiração dos irmãos Coen veio de diversas fontes. O roteiro, vagamente baseado na Odisseia de Homero, também faz referência a um projeto fictício citado na comédia clássica As Viagens de Sullivan (1941). O resultado é uma jornada surreal por um Sul dos EUA exagerado e caricato, repleto de perigos e personagens que parecem saídos de um desenho animado. George Clooney lidera a trama com uma atuação exuberante, que reflete o tom do filme – cativante, ligeiramente espalhafatoso e absurdamente satírico. Embora não seja considerado um dos melhores filmes dos Coen, ele continua sendo uma experiência divertida e uma crítica perspicaz da era Jim Crow.

Apesar do tom fantasioso, vários elementos do filme possuem inspiração real. O misterioso músico que afirma ter vendido sua alma ao diabo é uma referência clara a Robert Johnson, enquanto o político corrupto vivido por Charles Durning é inspirado no governador “Pappy” O’Daniel, que já foi cantor de country e chegou a manipular uma eleição contra Lyndon Johnson.

Se há uma mensagem no filme, ela está na música. As canções de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? resistiram ao tempo, assim como os músicos retratados. O longa ficou marcado pelo grupo fictício Soggy Bottom Boys, uma banda de presidiários desajeitados que conquistam fama inesperada. Mas, curiosamente, a trilha sonora do filme ultrapassou a própria obra em relevância. Como aconteceu com Os Embalos de Sábado à Noite e The Harder They Come, o álbum da trilha sonora se tornou um fenômeno cultural maior do que o filme que o originou.

Essa primazia da música pode não ter sido um acidente. Antes mesmo de o roteiro estar finalizado, os irmãos Coen chamaram o produtor T-Bone Burnett para desenvolver a identidade musical da história. Burnett criou uma seleção de canções folclóricas americanas que serviu de guia para a narrativa. Assim, a trilha existiu antes do filme, permeando todo o processo criativo e, por fim, superando a própria produção em impacto cultural.

Com o lançamento do filme, a trilha sonora de Burnett, com 18 faixas, ajudou a impulsionar o renascimento do folk nos anos 2000. O álbum vendeu quase 9 milhões de cópias nos Estados Unidos e deu um empurrão definitivo na carreira de artistas como Alison Krauss e Gillian Welch. No fim das contas, talvez o verdadeiro legado de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? não esteja no cinema, mas sim na música que ele ajudou a preservar e espalhar para novas gerações.